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O que é a "Filosofia para crianças"

O QUE É A
“FILOSOFIA PARA CRIANÇAS”

O programa de filosofia para crianças é uma proposta pedagógica idealizada pelo filósofo norte-americano Matthew Lipman para ser incorporada ao currículo escolar, a fim de estimular o desenvolvimento da capacidade de pensar dos alunos. Seu pressuposto básico é o de que a educação dita “tradicional”, centrada na transmissão de conhecimentos, na autoridade do professor e na noção de aprendizagem como absorção de informações, é incapaz de atingir esse objetivo. Nas palavras de Lipman: “... o maior desapontamento da educação tradicional é o seu fracasso em produzir pessoas que se aproximem do ideal de racionalidade” (1990, p. 34).
Daí a necessidade de substituir esse modelo pelo da “educação para o pensar”, segundo o qual o ensino é resultado de um processo de investigação do qual o professor, despido de sua infalibilidade, participa apenas como orientador ou facilitador, pois o enfoque não está mais na “aquisição de informações”, mas na “percepção das relações contidas nos ternas investigados”[1]
O que se pretende é que os alunos “pensem”, “reflitam” e “desenvolvam cada vez mais o uso da razão”, bem como sua “capacidade de serem criteriosos” (LIPMAN, 1995, p. 29); em suma, que adquiram um “pensar excelente” ou um “pensamento de ordem superior”[2] que, em última instância, consiste em saber aplicar corretamente as regras da lógica formal.
Pensar melhor em sala de aula significava, basicamente, pensar melhor através da linguagem e isto implicava na necessidade de ensinar o raciocínio, tradicionalmente uma subdisciplina da filosofia, O raciocínio é aquele aspecto do pensamento que pode ser formulado discursivamente, submetido a critérios de avaliação (pode haver raciocínio válido e não válido) e ensinado. Ele envolve, por exemplo, a utilização de inferências bem fundamentadas, a apresentação de razões convincentes, a revelação de suposições latentes, a determinação de classificações e definições defensáveis e a organização de explicações, descrições e argumentos coerentes; Em geral, ele produz uma sensibilidade em relação aos aspectos lógicos do discurso que não foram desenvolvidos em nosso atual sistema educativo [idem, pp. 46-47, grifo meu].

O objetivo mais explícito do programa é, portanto, desenvolver nas crianças essa racionalidade, mediante o cultivo e o fortalecimento de habilidades lógicas que, por serem consideradas pré-requisitos para o “pensar bem”, devem estar presentes nas crianças “antes e durante os vários momentos da aprendizagem”[3]. Essas habilidades são classificadas em quatro tipos[4]
a) Habilidades de raciocínio: possibilitam o estabelecimento de conclusões ou inferências a partir de conhecimentos anteriormente adquiridos, para assegurar a coerência interna do discurso. Envolvem capacidades tais como: “inferir”, “detectar premissas ou pressuposições subjacentes”, “formular questões, exemplificar”, “identificar similaridades e diferenças”, “construir e criticar analogias”, “comparar”, “contrastar e argumentar ou dar razões”.
b) Habilidades de formação de conceitos: permitem a análise de conceitos, identificando seus componentes, suas relações com conceitos semelhantes e diferentes para conferir-lhes sentido e torná-los instrumentos para a identificação e a compreensão das coisas, dos fatos e das situações. Por exemplo: “fazer distinções”, “fazer conexões”, “argumentar, classificar”, “explicar”, “definir”, “identificar significados”, entre outras capacidades.
c) Habilidades de investigação: relacionadas aos procedimentos científicos e à ideia de busca do caminho (e não da resposta pronta) para se chegar às soluções dos problemas postos pela realidade. Incluem: “observar”, “identificar problemas/questões”, “formular questões”, “formular hipóteses”, “estimar, prever”, “verificar, medir, constatar”, “descrever, analisar”, “generalizar adequadamente”, “concluir”, “sintetizar” e “ser capaz de comportamento autocorretivo”.
d) Habilidades de tradução: permitem a compreensão de discursos (falados ou escritos) de modo que o sujeito desta compreensão possa reproduzir em sua própria linguagem o que ouviu ou leu, preservando o significado original. Englobam: “prestar atenção”, “interpretar criticamente”, “perceber implicações e suposições”, “parafrasear” e “inferir”.
Observa-se, facilmente, que são todas habilidades lógicas.
O programa, porém, cumpre também outro objetivo, menos explícito, e que é de natureza política. Com efeito, o próprio Lipman admite que, embora a filosofia seja “um caso de paradigma”, ela não é necessária para o desenvolvimento do pensar de ordem superior. Para tanto, o mais importante é a metodologia do programa (a comunidade de investigação), que pode muito bem ser adotada por qualquer disciplina “a fim de provocar o debate e a reflexão” (LIPMAN, 1995, p. 38).
Ora, se isso é verdade, por que então propor a inclusão de um programa denominado “de filosofia” se o fim a que ele se destina pode ser alcançado por meio das disciplinas já existentes no currículo?
Ocorre que o programa de Lipman não pretende ser “meramente reparador” das insuficiências da educação “tradicional”; antes, seu “propósito maior e mais importante” é ser “preventivo da irracionalidade” (idem, p. 50).
Prevenir contra a irracionalidade significa, em última instância, cuidar para que as crianças e os jovens não venham a desenvolver comportamentos anti-sociais, a exemplo do que fizeram os estudantes revoltosos em 1968, episódio que Lipman interpretou com as seguintes palavras: “parecia que o irracionalismo estava difundido”.
Naquela época entendi, ressalta, que os jovens, usando meios irracionais, chegariam a fins irracionais, pois destruíam coisas, faziam críticas, mas sem propostas alternativas. Ficou claro que não tinham dominado o método de investigação para transformar o mundo[5].

Para evitar irracionalismos desse tipo, não basta assegurar que as crianças desenvolvam suas habilidades cognitivas. É preciso, também e sobretudo, que aprendam a empregá-las adequada, racional e civilizadamente, isto é, de maneira socialmente aceitável.
A educação envolve mais que apenas o desenvolvimento de habilidades. Podemos adquirir uma habilidade, mas podemos empregá-la mal. Podemos, por exemplo, aprender a usar uma faca habilidosamente e, então, passarmos a utilizá-la antissocialmente. [LIPMAN, 1995, p. 50].

Por essa razão, é importante que essas habilidades sejam trabalhadas no “contexto de uma disciplina humanística” capaz de impedir que “sejam mal empregadas”. Sendo assim, a disciplina mais bem preparada para realizar essa função seria a filosofia, por estar comprometida com a investigação de assuntos problemáticos (idem, p. 51). Essa seria, portanto, a verdadeira justificativa para a sua inclusão no currículo escolar.[6]
Em vista do exposto, pode-se concluir que o objetivo da filosofia para crianças consiste, basicamente, em estimular o desenvolvimento da racionalidade dos alunos, com vistas a aprimorar, ao mesmo tempo, seu desempenho cognitivo (através da aquisição de um “pensar excelente” ou “pensar de ordem superior”) e sua conduta social (por meio da adoção de comportamentos “racionais”). Mas, em termos práticos, em que consiste, afinal, esse programa?
De modo geral, ele se constitui de três elementos principais: um material didático específico, uma metodologia adaptada ao emprego desse material e um treinamento para capacitar os professores a trabalharem com os dois elementos anteriores.

1.    O Material Didático
O material didático é composto de livros de leitura e manuais de instrução. Os primeiros, denominados de romances ou novelas filosóficas, destinam-se aos alunos, enquanto os segundos, são dirigidos aos professores.

1.1. Os livros de leitura
Os romances ou novelas filosóficas são histórias em que as personagens, em geral crianças, encontram-se constantemente envolvidas em situações problemáticas que as impelem a exercitar suas habilidades cognitivas, servindo, assim, de modelos de comportamento racional a serem imitados pelos alunos. Desse modo, as crianças reais vão internalizando os padrões de comportamento cognitivo e social das personagens das novelas, tornado-se “racionais”. É, pois, por imitação que se dá o aprendizado do pensar. Como diz Lipman (1990, p. 101), “Ler que uma personagem de uma história infere q de p é ser encorajado a inferir q de p por si mesmo”.
No Brasil, foram publicados, até o momento, cinco romances, todos destinados ao ensino fundamental: Rebeca, para a educação infantil: lssao e Guga, para 1ª, 2ª e 3ª séries; Pimpa, para 3ª, 4ª e 5ª séries; A descoberta de Ari dos Telles, para 5ª e 6ª séries e Luíza, para 7ª e 8ª séries.[7]
O conteúdo dos romances inclui, além dos procedimentos cognitivos a serem imitados pelos alunos, temas os mais diversos, abrangendo as áreas clássicas da filosofia, como a lógica, a ética, a estética e a metafísica. Podem versar, por exemplo, sobre a relação entre falso e verdadeiro, certo e errado, bom e mal, justo e injusto, honesto e desonesto, belo e feio, vida e morte, entre outros assuntos.
Esses temas, no entanto, não são apresentados de forma sistemática e rigorosa, como nos livros didáticos, mas aleatoriamente, visto que se encontram espalhados pelas histórias como se fossem brinquedos perdidos à espera de serem capturados pela curiosidade das crianças durante a leitura (idem, p. 22). Compete a elas escolherem aqueles com os quais desejam brincar, isto é, os temas que consideram mais interessantes para serem discutidos. Como diz Lipman (Idem, p. 103), “É preciso [...] dizer algo a favor de concentrar tais discussões nas questões em que as próprias crianças estejam perplexas e não nas que os adultos pensam deixar as crianças perplexas”[8]
Desse modo, qualquer assunto pode se tornar objeto da discussão em sala de aula, desde que atenda ao interesse dos alunos. Isso porque, no programa, há uma acentuada primazia dos procedimentos metodológicos sobre os conteúdos do ensino. Afinal, se o objetivo é substituir a educação como transmissão de conhecimentos pela “educação para o pensar”, o mais importante não é o conteúdo deste pensar, mas a forma como ele se realiza. E, como veremos adiante, para Lipman o aprendizado do pensar ocorre não pelo domínio desse ou daquele conteúdo, mas pelo envolvimento dos alunos no diálogo investigativo praticado na comunidade de investigação. Mais importante que “conhecerem os fatos” é tornarem-se “competentes em descobrir e avaliar as evidências relevantes” de um determinado problema, saberem onde e como “buscar informações”, “serem versáteis em explorar” as hipóteses levantadas (LIPMAN, 1990, p. 86)[9].
Isso não significa que os conteúdos sejam totalmente esquecidos:
Não estou afirmando que o ensino de conteúdo é inútil e que corremos o risco de transformar as crianças em sábias idiotas. Mas gostaria de colocar que a ênfase sobre sua aquisição de informações foi exagerada e deve passar para o segundo plano, assumindo a dianteira o aperfeiçoamento dos seus pensamentos e julgamentos [LIPMAN, 1995, pp. 252-253, grifo meu].

Essa mudança de ênfase se justifica também pela rapidez com que se modificam as disciplinas e também a realidade, o que torna “obsoleto” e “cada vez mais irrelevante” o conteúdo ensinado na escola (LIPMAN, 1990, p. 175)[10].
Vale lembrar, no entanto, que esta redução dos conteúdos a um “segundo plano”, típica do pensamento escolanovista, já foi objeto de inúmeras críticas e objeções[11] Do ponto de vista político, por exemplo, relacionado à educação dos alunos das camadas sociais subalternas, essa redução implica enfraquecer esses alunos na luta por seus interesses de classe, visto que as camadas dominantes se valem desses conteúdos e do privilégio de dominá-los com exclusividade para perpetuar sua condição de dominantes. Nesse sentido, o programa de Lipman, ao minimizar a importância dos conteúdos específicos de filosofia, revela um caráter conservador.

1.2. Os manuais dos professores
Cada romance é acompanhado por um respectivo manual em que o professor encontra, na introdução, uma exposição sumária das bases teóricas da proposta e, nos capítulos seguintes, grande variedade de sugestões de atividades didáticas, especialmente planos de discussão e exercícios envolvendo as habilidades cognitivas que se deseja estimular em cada etapa do trabalho. É também o manual que indica ao professor as “questões filosóficas”, isto é, o conteúdo que deverá ser objeto da discussão em sala de aula. (RICART, 1987, p. 5).
Esses manuais são necessários porque os professores que aplicam o programa, não sendo licenciados em filosofia e tendo sido formados à moda tradicional, segundo o modelo da educação como transmissão de conhecimentos, não estão preparados para planejarem sozinhos as atividades didáticas requeridas por uma “educação para o pensar”. Por isso mesmo, para Lipman (1990, pp. 207-208), seria indesejável que o fizessem, pois isso poderia comprometer os objetivos da proposta. Assim como as crianças e os alunos de faculdade “precisam de textos primários”, esses professores “precisam imensamente da orientação profissional” de especialistas que lhes forneçam “exercícios preparados e planos de discussão” para que não se percam no desenvolvimento do trabalho.
Essa visão acerca do professor parece representar uma transposição para o âmbito educacional da mesma racionalidade técnica que legitima a divisão do trabalho no processo produtivo fabril: de um lado, o trabalho intelectual dos que, na condição de especialistas, arvoram-se em competentes para conceber, planejar e organizar o processo pedagógico, traçar suas metas, estabelecer os princípios em que se deve pautar e decidir o que, quando e como vai ser ensinado (no caso do programa, essa função compete ao próprio Lipman e seus colaboradores); de outro lado, o trabalho manual daqueles que, não sendo especialistas, são considerados incapazes de exercer tais funções e de controlar o processo pedagógico em seu todo, devendo, portanto, contentar-se em dominá-lo apenas em parte, limitando-se a executar satisfatoriamente as tarefas concebidas e planejadas pelos primeiros (é o caso dos professores que aplicam o programa em sala de aula).
Ora, essa expropriação do saber próprio do trabalhador (no caso, do professor), que o impede de controlar o processo de produção (isto é, o processo pedagógico) e sua atividade (a atividade de ensino) transferindo esse controle para outrem, é um dos aspectos da alienação do trabalho, típica do modo de produção capitalista e denunciada por Marx. Nesse sentido, pode-se concluir que o programa de Lipman transforma os professores que o aplicam em verdadeiros trabalhadores alienados, subestimados em sua capacidade intelectual, reflexiva, crítica e criativa e dispensados de pensar com autonomia. Em tais circunstâncias, aliás, este pensar autônomo torna-se não apenas dispensável como também arriscado, pois, como lembra Coelho (1989, p. 34), “quem pensar questiona, duvida, discorda das determinações, quer saber o porquê das coisas e da atividade que realiza, sendo considerado um indivíduo inconveniente, perigoso”
Esse caráter alienado do trabalho do professor pode ser observado também, na forma como o programa realiza a sua capacitação, como veremos adiante.

2.    A Metodologia
A metodologia empregada é a da comunidade de investigação que consiste basicamente no seguinte: dispostas em círculo, as crianças alternam-se na leitura em voz alta de um episódio do romance que estiver sendo trabalhado com o grupo. Em seguida, o professor solicita que apontem os assuntos que gostariam de discutir e os anota na lousa, indicando, na frente de cada um, o nome da criança que o sugeriu. Como, em geral, surgem muitas sugestões diferentes, o passo seguinte é o grupo selecionar os temas que consideram mais importantes, usando sempre como critério o interesse das crianças. Feito isso, tem início a discussão em que todos são estimulados a falar com liberdade o que pensam sobre os assuntos abordados, assim como sobre as opiniões uns dos outros. Cabe ao professor orientar e coordenar essa discussão, cuidando para que os alunos procurem sempre argumentar da melhor maneira possível em favor das posições que assumem. Por exemplo, quando uma criança discorda da outra, ela é solicitada a explicitar suas razões, o que pode ser feito mediante a apresentação de contraexemplos, isto é, de exemplos que contrariam o que foi dito pela colega de quem ela discorda.
Assim, através dessa “investigação dialógica cooperativa” (LIPMAN, 1990, p. 121), as crianças vão, pouco a pouco, aprendendo a distinguir um argumento bom de outro ruim, a exigir, dos outros e de si mesmas, coerência na argumentação e a se autocorrigir; ou seja, através da comunidade de investigação, as crianças aprendem a “pensar melhor” (idem, p. 163), a raciocinar mais coerentemente, tornando-se mais “racionais”
O pressuposto básico dessa proposta metodológica, aparentemente ancorado em algumas teorias do desenvolvimento cognitivo[12], é o de que o pensamento se desenvolve paralelamente à aquisição da linguagem.
Vamos retroceder aos primeiros estágios do desenvolvimento da criança — ao período inicial da aquisição da linguagem. É nessa época que a criança aprende a raciocinar — apesar de não ser explicitamente ensinada a fazê-lo. Os fundamentos da lógica, assim como os fundamentos da sintaxe, formam uma parte intrínseca da linguagem cotidiana, e adquirir habilidade na linguagem significa ter, ao mesmo tempo, adquirido a lógica e a sintaxe que estão dissolvidas nessa linguagem [LIPMAN, 1995, p. 47].

Na sequencia, o autor exemplifica:

A criança quando aprende a falar coloca sujeitos em frente de predicados; fornece objetos para verbos transitivos; infere que a negação da consequência de uma condicional implica na negação do antecedente; descreve, narra, explica e até funciona metacognitivamente, fazendo julgamentos quanto à verdade ou falsidade das afirmações. [idem, ibidem].

O diálogo é, portanto, o eixo central do programa. Mas não se trata de um diálogo qualquer, um mero bate-papo desorganizado e descomprometido. Antes, precisa ser criterioso e, principalmente, logicamente disciplinado. Como explica Lipman (idem, pp. 31-32), “trata-se de um diálogo que busca harmonizar-se com a lógica”. Em outra passagem, reitera: “A comunidade de investigação caracteriza-se pelo diálogo que é disciplinado pela lógica” (idem, p. 342). Isso porque: “Quando a sala de aula é transformada em uma comunidade de investigação, as ações que são feitas a fim de que se possa seguir o argumento para onde este conduz são atos lógicos” (idem, ibidem).
Observa-se, uma vez mais, que a lógica ocupa lugar de grande destaque no programa de Lipman. Com efeito, o pensar que se pretende que a comunidade de investigação desenvolva nos alunos não é outro senão o pensar lógico. Mas a comunidade de investigação possui também uma dimensão moral e política. Isso porque, como vimos, não basta que as crianças desenvolvam suas habilidades cognitivas, sua capacidade de pensar coerentemente, logicamente. Mais que Isso, é preciso que aprendam e prefiram empregá-las adequadamente, isto é, em conformidade com os padrões socialmente aceitáveis. E como a comunidade de investigação realiza essa sua função política e moral? Criando o ambiente e as condições necessárias para que as crianças internalizem os valores considerados adequados à formação de seu caráter, de sua personalidade e de sua consciência cívica. Com efeito, na comunidade de investigação:
Elas acatarão as regras da discussão acadêmica (ou gradualmente aprenderão a fazer isso); elas ouvirão umas as outras, sempre preparadas para dar as razões de seus pontos de vista e a pedir pelas razões de seus colegas; elas virão a apreciar a diversidade de perspectivas entre seus colegas e a necessidade de ver as questões dentro de contexto. O seminário de investigação de valores servirá como um modelo de racionalidade social; elas irão internalizar suas regras e práticas, e isso virá a ser estabelecido em cada uma delas como reflexão, consideração e ponderação [LIPMAN, 1990, p. 77].

Pessoas civilizadas, por exemplo, são aquelas que internalizam, isto é, que assumem como suas as “bases racionais da civilização”, isto é, o sistema e o código legal, “os procedimentos parlamentares”, “os códigos de conduta honesta”, “a prática diplomática” (LIPMAN, 1990, pp. 67-68). O bom cidadão, por sua vez, a exemplo do bom jogador de futebol, é aquele que internaliza, aceita e obedece as regras do jogo institucional que se tornam para ele como que uma “segunda natureza”:
Ele não se pergunta se aceita e obedece ou não às regras do jogo (isto é, as leis da instituição social de que participa). Isso é o que os torna jogadores de futebol minimamente competentes, mesmo que não sejam muito habilidosos. Mais do que isso, cada jogador vem a ter o ponto de vista dos outros jogadores não apenas em relação aos demais jogadores como também em relação ao próprio jogo. O jogador novato começa a avaliar o jogo como um “valor em si” e a valorizar as regras do jogo porque elas o tornam possível [idem, p. 76, grifos meus].

Mais adiante, reitera: “O atleta não tem de resolver se obedece ou não às regras do jogo; aceitá-las é uma segunda natureza para o atleta” (idem, p. 89).
Em termos sociais e políticos, portanto, a comunidade de investigação parece cumprir uma função de adaptação, de ajustamento dos indivíduos às instituições de que participam. E vale registrar que, para Lipman, isso não tem qualquer relação com “questões de opinião ou de ideologia conflitantes” (idem, p. 68), pois os valores a serem internalizados constituem as “bases racionais da civilização” (idem, ibidem), tidas como universais e necessárias para que os jovens sejam preservados dos “barbarismos” e irracionalismos que frequentemente os atraem como “uma fonte fascinante de emoções mórbidas” (idem, p. 77). Na realidade essa universalidade é falsa, visto que os valores e os comportamentos que caracterizam uma determinada civilização são sempre expressão do modo como os homens produzem sua existência material e do tipo de relações sociais que estabelecem entre si num dado momento histórico, de forma que, numa sociedade de classes, esses valores tendem a ser os da classe dominante.
Nas palavras de Coelho:
Com efeito, a educação impõe ao educando o modo de pensar considerado correto pela classe dominante (a maneira considerada científica, racional, verdadeira, de se entender e explicar a sociedade, a família, o trabalho, o poder e a própria educação), bem como os modelos sociais de comportamento, ou seja, as formas tidas como corretas de se comportar na família e no trabalho, de se relacionar com Deus, a autoridade, o sexo oposto, os subalternos etc. Ora, sabemos que tudo isso é uma manifestação da divisão de classes, das relações de poder que constituem a vida concreta dos homens e, evidentemente, sua imposição é fundamental para a reprodução destas mesmas relações de poder. A interiorização pelo indivíduo dessas normas de conduta e desse código de interpretação do real, aceitos como “verdade” do pensar e do agir, significa a consagração de uma moral da renúncia, da passividade e da submissão. O resultado será certamente uma personalidade completamente dócil e submissa, forjada para suportar qualquer violência ou injustiça sem se rebelar, capaz de sublimar qualquer frustração: enfim, o indivíduo perfeitamente preparado, trabalhado, para ocupar o “seu” lugar na divisão social do trabalho, o homem ideal para que a dominação de classe se mantenha [1989, p. 38, grifo meu].

Desse modo, ao contrário do que pensa Lipman, há sim na função desempenhada pela comunidade de investigação uma clara dimensão ideológica, que procura generalizar para o conjunto da sociedade os valores, o ponto de vista, enfim, a visão de mundo de uma classe em particular: a classe dominante. Trata-se, porém, de uma universalização abstrata, imaginária, que visa a dissimular e perpetuar a dominação de classe[13].
Com efeito, o discurso da classe dominante, interiorizado por todas as camadas sociais, leva os indivíduos a terem o sentimento de que participam igualitariamente da vida social e a suporem que a contradição social não existe, ou então, a apreendê-la apenas como diferentes modos, todos igualmente legítimos, de participação numa mesma existência coletiva. As diferenças de classe não passam, pois, de versões de uma realidade essencialmente homogênea: o cidadão, o aluno, o homem, o brasileiro [COELHO, 1989, p.38]

Nesse sentido pode-se dizer que o programa de Lipman constitui um instrumento de hegemonia da classe dominante, pois
A hegemonia se realiza quando a classe dirigente consegue silenciar o discurso crítico, levando os subalternos a não se autoperceberem como tais, mas a assumirem sua situação de classe como se fosse o produto de uma escolha livre, num processo de interiorização e aceitação coletiva da visão de mundo hegemônica como a única verdadeira [idem, p. 39].

Eis, também aqui, o sentido conservador do programa de Lipman.

3. A Capacitação dos Professores
A forma como são capacitados os professores que trabalham com o programa está diretamente ligada ao papel que Lipman atribui ao educador no processo de ensino e aprendizagem. Se o objetivo é romper com a educação como transmissão de conhecimentos, é natural que o professor também não seja visto como “autoridade de conhecimento” ou como “fonte de informação”, pois quando isso ocorre os alunos acostumam-se a recorrer a ele buscando “tranquilização ou verificação” de suas dúvidas, estabelecendo-se, assim, um “modelo de troca professor-aluno que frustra o objetivo da filosofia para crianças” que é o estimular os alunos a pensar por si mesmos (LIPMAN, 1990, p. 117).
Por essa razão, Lipman propõe substituir esse modelo supostamente vertical da relação professor-aluno pelo da comunidade de investigação, através do qual ambos se tornam “co-investigadores” (idem, ibidem). Cabe ao professor prover as condições necessárias para que essa investigação cooperativa aconteça, assumindo a função de “facilitador” ou “orientador” dos debates, permanecendo constantemente atento a uma possível “conduta ilógica entre os alunos”[14]. Assim, sua principal função passa a ser acompanhar e vigiar o desempenho lógico das crianças, isto é, o seu modo de pensar e exprimir seu pensamento; o professor abstém-se, porém, de externar seu próprio ponto de vista a fim de forçar as crianças a buscarem por si mesmas as respostas para suas indagações e também para evitar o risco de doutriná-las:
O professor deve ser auto-retraído filosoficamente (sempre atento ao risco de fazer doutrinação inconscientemente) e, contudo, pedagogicamente forte (sempre promovendo o debate entre as crianças e as encorajando a seguir a investigação na direção que ele aponta) [LIPMAN, 1990, p. 207, grifos meus][15].

Ora, se o papel do professor reduz-se a organizar e orientar as discussões na comunidade de investigação, ou seja, a dar bom andamento à metodologia do programa, é compreensível que não lhe seja exigida formação específica em filosofia, mas apenas a competência quanto ao emprego dessa metodologia e do material didático a ela correspondente. Este é o objetivo primordial dos cursos de capacitação que, a rigor, constituem meros treinamentos na aplicação do programa, sem uma verdadeira preocupação com a formação teórica dos participantes, como veremos a seguir.
Faz-se necessário esclarecer que Lipman discorda dos cursos convencionais de formação de professores por entender que empregam métodos muito diferentes dos que se espera que estes adotem posteriormente com seus alunos. Aliás, para ele, este seria o “calcanhar de Aquiles” da filosofia para crianças, a sua principal dificuldade (idem, p. 173). Para ilustrar o problema, toma como exemplo a linguagem. Segundo ele, de um modo geral os cursos de formação ou falam numa linguagem muito difícil, distante da realidade dos estudantes, ou na linguagem desses últimos, mas nunca na linguagem que eles deverão usar com seus futuros alunos. O resultado é que, quando formados, esses professores irão cometer o mesmo erro, obrigando seus alunos a “fazer a tradução de uma sábia linguagem desconhecida para sua própria linguagem”, o que constitui um verdadeiro “exercício de inutilidade” (LIPMAN, 1990, p. 1 74). Para evitá-lo, a saída é fazer com que os professores sejam formados “exatamente pelos mesmos procedimentos que eles usarão em sala de aula” (idem, p. 45). Esse é o princípio básico em que se deve pautar a formação, não apenas dos que vão aplicar o programa, mas dos professores em geral (idem, p. 175). Assim, se as discussões são “desejáveis”, ao passo que as aulas expositivas são “detestáveis”, deve-se empregar com os futuros professores “o máximo de discussão e o mínimo de exposição”. Se o objetivo é que saibam como estimular as crianças a “pensar por si próprias”, então eles também devem ser estimulados a “pensarem por si próprios” (idem, p. 45). Na realidade, porém, como já foi explicitado, o pensar do professor não é, de fato, estimulado, o que evidencia uma incoerência em relação ao princípio acima enunciado.
Vejamos, então, como o programa realiza a capacitação, ou melhor, o treinamento dos professores que o aplicam. Há dois tipos de cursos preparatórios: um destinado à formação de monitores e outro dirigido aos professores que atuarão diretamente em sala de aula com as crianças.
Os monitores são aqueles que, possuindo um “sólido conhecimento filosófico” (idem, p. 176), deverão atuar no treinamento dos outros professores, em geral não formados em filosofia. O processo de sua formação, denominado estágio da preparação de monitores, tem início com uma oficina de dez dias, durante a qual os candidatos se familiarizam com os materiais didáticos, exercitam-se individualmente na condução de sessões e discutem assuntos considerados relevantes para o bom andamento do trabalho: dúvidas teóricas, dificuldades práticas, orientações sobre como se relacionar com a coordenação das escolas etc. (LIPMAN, 1990, p. 177). Em seguida, o futuro monitor torna-se uma espécie de “filósofo em residência”, atuando em sala de aula por um período de quatro a seis semanas, a fim de adquirir experiência no trabalho com crianças. Recomenda-se, porém, que, sempre que possível, trabalhe “junto com um monitor mais experiente antes de se lançar numa carreira independente” (idem, pp. 177 e 208). Ao término de sua capacitação, o monitor estará apto a ministrar o treinamento dos professores que irão desenvolver o programa diretamente com as crianças, o qual se realiza em três etapas.
A primeira, denominada estágio da exploração do currículo, tem duração que pode variar de 3 a 14 dias, dependendo da especificidade e da quantidade de novelas filosóficas que serão abordadas. Constitui-se de seminários, cursos intensivos ou oficinas, em que os professores, por meio de simulações, vivenciam o programa “quase que do mesmo modo como seus futuros alunos o farão” (idem, pp. 177- 178).
Após esse estágio o professor está habilitado a iniciar o trabalho com as crianças. No entanto, pela sua inexperiência, é comum que se sinta inseguro e encontre dificuldades para transplantar para a sala de aula os procedimentos que vivenciou durante o treinamento, necessitando, portanto, de um acompanhamento pelo monitor. Tem início, então, a segunda etapa de sua formação, denominada estágio modelador, em que o monitor entra na sala de aula junto com o professor para mostrar-lhe concretamente como fazer. Essas sessões modeladoras acontecem esporadicamente, durante as seis semanas de aplicação do programa (LIPMAN, 1990, p. 180).
A última etapa da capacitação dos professores, denominada estágio de observação, consiste na avaliação, pelo monitor, do trabalho desenvolvido pelos professores com as crianças. Nessa avaliação, que pode ser oral, escrita ou de ambas as formas, o monitor faz ao professor perguntas do tipo: “O que você me viu fazer que você não fez?”, a fim de identificar e solucionar problemas eventualmente surgidos, tais como a falha em perseguir um questionamento ou a dificuldade em envolver todos os membros da classe nas discussões. Para tanto, o monitor vale-se ainda de listas de critérios, as quais devem ser do conhecimento do professor para que este possa fazer também uma “auto-avaliação mais crítica” (idem, ibidem).
Esse é, em linhas gerais, o processo de capacitação dos professores de filosofia para crianças. Como se pode observar, há todo um cuidado em acompanhar de perto o seu desempenho a fim de garantir a eficácia do programa.
No Brasil, os treinamentos seguem basicamente as mesmas diretrizes. Segundo Falcone (apud VOGEL, 1994, p. 12), o Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças oferece periodicamente os dois tipos de cursos. O que se destina aos professores não formados em filosofia, e que deverão trabalhar diretamente com as crianças, tem duração de quarenta horas e é composto de uma parte teórica e outra prática. Ao término desse curso, o professor conta com o acompanhamento de um monitor em sua classe durante um certo tempo, podendo, também, solicitar sua presença quando julgar necessário. O curso de formação de monitores, dirigido a professores graduados em filosofia, realiza-se em três etapas: após receberem um treinamento de 40 horas, os professores aplicam o programa durante um ano em uma sala de aula, com a supervisão de professores do Centro. Concluído esse período, passam ainda por mais 40 horas de “aprofundamento de estudos”, antes de se tornarem monitores. Além disso, complementa Falcone, “o Centro promove, periodicamente, seminários de atualização para os monitores e facilita viagens de intercâmbio para os centros de filosofia de outros países” (idem, ibidem).
Como já foi mencionado, não é exigida formação filosófica aos professores que desejam trabalhar com o programa, visto que, nas palavras de Falcone, ele não é mais “o professor que ensina um conteúdo”, mas alguém disposto a “trabalhar junto às crianças e ajudá-las a filosofar” (CARVALHO, 1994a, pp. 4-6). Nem mesmo o conhecimento da terminologia própria da filosofia é necessário, como salienta Catherine Silva.
Não é correto introduzir a criança à terminologia científica. Para que a criança possa desenvolver suas habilidades de raciocínio através da discussão de tópicos filosóficos, é necessário que tais ideias lhes sejam apresentadas em contextos condizentes com sua capacidade de leitura e em que esteja suprimida a alienação terminológica [apud Monteiro, 1986, p. 4].

Essa é a razão pela qual os cursos de capacitação oferecidos não se destinam a suprir essa carência de fundamentação filosófica dos professores. Embora prevejam discussões teóricas em sua programação, o espaço a elas destinado é tão exíguo que essas discussões se tornam absolutamente insignificantes. E, como a prioridade é treinar o professor no manuseio do material didático e na aplicação da metodologia, há sempre o risco de que esse espaço seja invadido pelas atividades práticas que, por vezes, consomem mais tempo do que o originalmente estipulado[16]. Assim, como a formação filosófica não é considerada imprescindível, qualquer professor pode aplicar o programa e, como esclarece Falcone, “o Centro está disposto a atender professores de todo o país”[17]
À primeira vista, isso parece revelar uma atitude de valorização do profissional da educação, um voto de confiança em seu potencial intelectual, um reconhecimento de sua competência. Na verdade, trata-se de algo bastante diverso: o professor não é considerado suficientemente qualificado para conceber, planejar e organizar o trabalho que irá realizar, tampouco para elaborar o material didático que deverá utilizar com seus alunos; por ter sido vítima de uma formação teórica e didática inadequada, precisa ser treinado e constantemente vigiado e controlado a fim de se garantir a eficácia do seu trabalho pedagógico; nas discussões sobre temas filosóficos, deve abster-se de explicitar suas próprias convicções, para evitar a tentação da doutrinação ideológica e também algum possível embaraço por não estar familiarizado com a abordagem de tais temas. Caso isso ocorra, o melhor a fazer é recorrer à “tábua de salvação” do manual de instruções para evitar que naufraguem os objetivos almejados. A própria existência desse manual revela uma desconfiança quanto à competência do professor para trabalhar autonomamente com a filosofia.
A rigor, portanto, a única confiança que o professor parece merecer é quanto à sua capacidade de executar as tarefas que lhe são confiadas, desde, é claro, que seja devidamente treinado e monitorado por algum especialista mais competente que ele. Para além dessa função de “trabalhador braçal”, o professor é tratado como um profissional sob suspeita.
Mas, num certo sentido, essa suspeita tem razão de ser. Afinal, se lhe for permitido conhecer mais profundamente os pressupostos teóricos do programa, de modo que possa ultrapassar a sua condição de mero executor de tarefas cujo significado mais amplo lhe escapa à compreensão, o professor terá melhores condições para problematizar tais pressupostos, podendo, eventualmente, desenvolver resistências em relação a ele. Daí a necessidade de oferecer-lhe uma formação aligeirada que o mantenha na condição de trabalhador alienado[18].
Ora, esse parece ser o verdadeiro significado da não exigência de formação específica em filosofia para os professores que trabalham com a filosofia para crianças. Na realidade, não se trata, como se poderia imaginar, de uma concessão provisória em face da suposta falta de profissionais devidamente habilitados; nem de um compromisso efetivo com a democratização do acesso ao trabalho filosófico que, assim, afastados os “preconceitos”, deixaria de ser exclusivo aos iniciados; trata-se, isto sim, de uma medida de conveniência, dado que o professor formado em filosofia teria, ao menos em tese, melhores condições de duvidar, problematizar e refutar os fundamentos do programa. Em outros termos, a “abertura” para professores não habilitados em filosofia constitui uma estratégia de operacionalização da proposta, cujo objetivo é, ao mesmo tempo, ampliar a seara dos possíveis interessados em envolver-se com ela e preservá-la de críticas, legitimando-a perante os professores e as instituições de ensino e, por conseguinte, facilitando sua propagação.
Eis por que o programa necessita de professores que atuem como trabalhadores alienados, expropriados de seu pensar autêntico e autônomo. Ora, é no mínimo estranho que uma proposta pedagógica que se diz voltada para o desenvolvimento do pensar dos estudantes, realize-se e sustente-se à custa da alienação e do não pensar dos professores que a põem em prática. Estranho e contraditório, considerando que, para Lipman, o princípio fundamental que deve reger os cursos de formação de professores é o do emprego dos mesmos métodos e procedimentos didáticos que se espera que eles adotem mais tarde com seus alunos. Ora, como professores treinados a não pensar por si mesmos poderão ensinar seus alunos a fazê-lo?
Assim, o modelo de capacitação proposto por Lipman é posto em xeque pelos mesmos argumentos com que ele procura justificá-lo. Tal contradição nos permite concluir que a formação de professores, não qualquer formação, mas aquela que é realizada pelo programa é, de fato, o “calcanhar de Aquiles” da filosofia para crianças.


Referência

SILVEIRA, Renê José Trentin. Matthew Lipman e a filosofia para crianças: três polêmicas. Campinas, SP: Editora Autores Associados, 2003. 124p.





[1] Para Lipman, a educação “tradicional’ baseia-se no paradigma-padrão da prática educativa normal”, enquanto a “educação para o pensar” referencia-se no “paradigma reflexivo da prática crítica”. (cf. Lipman, 1995,p.29).
[2] Sobre o pensamento de ordem superior, ver Lipman, 1995, pp. 37- 44 e 141-148.
[3] Cf. Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças (s/d. a, p. 27).
[4] As explicações relativas às habilidades de pensamento foram colhidas nas seguintes fontes: Centro Brasileiro de Filosofia para Crianças, s/d. a, pp. 25-28; s/d. b, pp. 2-4. A esse respeito, ver também: Lipman, 1995, pp. 65-73: 1990, pp. 99-101.
[5] Cf. “Estimulando a reflexão”, Visão, p 69, 23 out. 1985.
[6]  Há, sem dúvida, um sentido político conservador nessa concepção do papel da filosofia na escola, cujas implicações foram explicitadas em SIlveira, 2001, pp. 191-208.
[7] Dentre esses, Rebeca, de Ronald Reed, é o único que não é de autoria de Lipman.
[8] Observa-se um certo pedocentrismo na concepção pedagógica de Lipman, certamente resultante da influência que sofreu do escolanovismo, particularmente da vertente deweyana, uma das matrizes teóricas de seu pensamento. Para uma crítica desse pedocentrismo ver, por exemplo, Snyders. (1984, p19).

[9] Em uma entrevista ao jornal Folha de 5. Paulo, por ocasião de sua visita ao Brasil, Lipman informa-nos que esta primazia do método em detrimento do conteúdo advém de sua aproximação à filosofia da linguagem que, por sua vez, ocorreu através de seu envolvimento com a arte abstrata: “Estava interessado na maneira como a arte abstrata parecia estar concentrada na metodologia da arte e não no valor da representação, do conteúdo. Aquilo me parecia muito semelhante ao que ocorria em filosofia, com a filosofia da linguagem, que abandonava os conteúdos para dar ênfase aos procedirnentos e métodos (CARVALHO, 1 994c, p. 5. grifos meus).

[10] Eis um outro ponto de contato entre o programa de Lipman e a Escola Nova que tem como um de seus lemas: “educar para uma sociedade em mudança”. A esse respeito ver: Di Giorgi, 1986; Saviani, 1985; Suchodolski, 1984.

[11] A título de exemplo, ver: Snyders, 1984, p. 27; Saviani, 1985, p. 59.
[12] A esse respeito, Lipman revela ter divergências em relação a Piaget (cf. LIPMAN,1990, pp. 95, 167-168 e 219; 1995, pp. 163-164 e 259-260) e optar pela abordagem vygotskyana (cf. LIPMAN, SHARP & OSCANYAN, 1994, pp. 45-46).
[13] Sobre o conceito de ideologia como universalização imaginária e abstrata, ver: Chaui, 1980, p. 24; 1980, pp. 17-32.
[14] Cf. Vogel, 1994, p. 13; Carvalho, 1994d, pp. 5-6; Monteiro, 1986, p.4.

[15] A questão da doutrinação é de extrema importância, dada a recorrência com que costuma ser associada ao ensino da filosofia. Infelizmente, não é possível desenvolvê-la aqui, dados os limites deste trabalho. Contudo, vale registrar que, pela maneira como Lipman a enfrenta, o resultado obtido não é a eliminação do risco de doutrinação, mas a sua dissimulação, o que a torna ainda mais eficaz, na medida em que dificulta o seu desmascaramento e seu combate efetivo. A esse respeito ver: Silveira, 2001, pp. 86-91,
[16] A respeito da falta de compromisso com a formação teórica dos professores, ver: Silveira, 2001, pp. 96-97.

[17] Cf. “Método filosófico faz alunos mais críticos”, Nova Escola, ano IV, n. 36, p. 39. dez. 1989.
[18] O que se passa, aqui, com o professor de filosofia para crianças, é algo semelhante ao que Ildeu Coelho (1989, pp. 33-34) afirma ocorrer no plano social com o operário submetido às condições capitalistas de produção: “Uma certa desconfiança em relação ao operário será sempre prudente, pois, se ele consegue controlar o processo de trabalho, poderá utilizar esse controle contra os interesses do capital”.

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